Demora da prestação jurisdicional não pode prejudicar o acusado
Por Rafaela Moreira
Há alguns anos, ouve-se falar repetidamente sobre incentivos à conciliação, mediação e resolução pacífica de conflitos no âmbito do processo civil. Porém, muito pouco (ou quase nada) se falava sobre o mesmo instituto no Direito penal. E foi a partir daí, resultado da gradativa expansão da justiça consensual processual penal no ordenamento jurídico brasileiro, que pela Lei nº 13.964/2019, conhecida como Pacote Anticrime, inaugurou a possibilidade do Acordo de não persecução penal, apelidado pelos legisladores como ANPP.
O ANPP é um acordo realizado entre o representante do Ministério Público e o acusado quando o delito praticado constituir uma infração penal que preencha, cumulativamente, requisitos previstos em lei.
Observados todos os requisitos e acordado entre as partes, o infrator poderá cumprir alguma pena diversa do regime de prisão pena, podendo, por exemplo, prestar serviços à comunidade ou a entidades públicas, pagar prestação pecuniária ou cumprir alguma outra exigência indicada pelo Ministério Público.
No caso em análise, um homem foi condenado pelo crime de falso testemunho e, na sentença, foi determinado que a pena fosse cumprida em regime aberto por um ano de dois meses. Após a sentença e antes do trânsito em julgado, foi requerida designação de audiência para formalização de ANPP, dentro do prazo estabelecido pelo artigo 28-A do código penal.
Analisado o pedido, esse foi negado pelo procurador da causa e deferido pela Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, que, porém, teria condicionado sua realização à ausência de trânsito em julgado. Como o trânsito em julgado ocorrera em 12.5.2020, não foi aceito o pedido de ANPP formulado pelo réu.
A questão, então, subiu para o STF, pleiteando o acusado pelo seu direito em ter o pedido de ANPP apreciado, visto que não poderia ser prejudicado pela demora jurisdicional, requerendo a concessão de liminar para suspender os efeitos da condenação até o julgamento final do caso.
Entendeu o STF da mesma forma, determinando que o reconhecimento de um direito não pode ser prejudicado pela demora da efetivação da demora jurisdicional. Em suas palavras, o Ministro Gilmar Mendes afirmou: “Houvesse o procurador, junto ao juízo, oferecido o acordo de não persecução penal quando solicitado pelo paciente, não haveria ocorrido o trânsito em julgado da condenação.”
É claro que a decisão reflete, dentre outros, o princípio do devido processo legal e da celeridade processual, pois aquele que tem um direito não satisfeito, além de ter a garantia de acesso ao Poder Judiciário, há de ter reconhecido o direito à prestação jurisdicional célere.
Velar pela celeridade processual é dever da justiça, conjuntamente com uma legislação processual que alcance a efetividade para a qual foram formulados. A demora da jurisdição pode beneficiar o réu (como por exemplo, no caso de reconhecimento de prescrição), mas nunca o prejudicar. É responsabilidade do Poder judiciário zelar por um julgamento efetivo, sendo isso assegurado pela Carta Magna como direito fundamental, devendo os processos ter uma duração razoável.
Nesses termos, foi proferido julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos do HC 199.180, anulando o trânsito em julgado da sentença que impediu condenado de firmar ANPP. “Qual é o sentido da previsão de um reexame pela Câmara de Coordenação e Revisão do MPF sobre o não oferecimento do ANPP se, reformada a decisão, não houver a sua implementação, em razão da demora do procedimento?”, questionou Gilmar. Para ele, “não se pode aceitar que a demora inerente a todo procedimento de revisão resulte na sua total inutilidade”.
A turma, então, foi unânime e suspendeu eventual execução da pena, determinando o retorno dos autos ao Ministério Público para análise do entendimento firmado pela Câmara de Coordenação e Revisão e dos demais requisitos exigidos para a celebração do acordo de não persecução penal, em atenção ao princípio do devido processo legal e da celeridade processual.