O arrolamento de bens é medida extrema, utilizada pela Secretaria da Receita Federal do Brasil quando identificado que o Contribuinte possui débitos constituídos ou em fase de constituição que sejam superior a 30% do seu patrimônio conhecido, conforme previu o artigo 64 da Lei 9.532/97, a fim de resguardar a pretensão do Fisco.
Em tese, o arrolamento de bens implica na delimitação do patrimônio do Contribuinte em contrapartida de dívida potencial identificada/perseguida pelo Fisco. Ou seja, o patrimônio do Contribuinte não fica indisponibilizado formalmente, porém, graças ao arrolamento, dá-se publicidade a existência de débito potencial em desfavor deste. Débito este que, se constituído, pode vir a implicar em sua insolvência.
Na teoria, a figura do arrolamento visa trazer segurança ao Fisco de que o potencial devedor não se desfazerá de seus bens até a constituição final do suposto débito. Na prática, é medida de privação de bens, de indisponibilidade, antes mesmo de finalizado o devido contraditório.
Essa dubiedade, já foi reconhecida e rechaçada por Hugo de Brito Machado[1] que afirmou que “O arrolamento tem duas finalidades. Uma aparente e outra disfarçada. A sua finalidade aparente é a de tornar conhecido da Fazenda o patrimônio do suposto devedor, de sorte a facilitar a penhora e conseqüentemente garantir a eficácia do processo executivo fiscal. O rol de bens e direitos do sujeito passivo na verdade facilita a penhora sobre um, alguns ou todos os bens do devedor, se e quando promovida a execução fiscal. Tem, todavia, o arrolamento, uma finalidade disfarçada, ou oculta, que é a de criar um constrangimento para o contribuinte, dificultando suas atividades, com que pretende a Fazenda obrigá-lo, por via oblíqua, a pagar o que lhe esteja sendo exigido, sem questionar a legalidade da exigência.”.
Isto porque, na prática, formalizado o arrolamento pela Secretaria da Receita Federal, este deve ser levado a registro nos cartórios de registro de imóveis competentes. Ou seja, na ficha de matrícula de bens imóveis de propriedade do Contribuinte ficará gravada a existência de arrolamento de bens em razão de débito potencial, isto é, ainda sequer constituido.
Implica dizer que dá-se publicidade de um débito que nem ao menos foi confirmado porquanto não esgotada a discussão na via administrativa, em flagrante desrespeito aos Princípios mais basileres do Estado Democrático de Direito: Devido Processo Legal, Contraditório e Ampla defesa e Presunção de Inocência, todos estes lançados em cláusula pétrea na Constituição Federal.
A linha de “defesa” adotada pela Secretaria da Receita Federal é de que o arrolamento de bens não obsta a alienação destes, uma vez que a Lei 9.532/97 prevê apenas a obrigatoriedade de o contribuinte comunicar ao Fisco eventual alienação no prazo de 30 (trinta) dias. Esta linha, contudo, não passa de mera ilusão uma vez que o Contribuinte sujeito ao arrolamento de bens, fica, sim, obstado de alienar e negociar livremente.
O primeiro óbice é que eventual negociação de bens no curso de arrolamento pode desencadear, a livre critério de convencimento da Autoridade Fiscal, demandas ainda mais gravosas, como, por exemplo, uma Cautelar Fiscal.
O segundo óbice é que os Cartórios de Registro de Imóveis exigem anuência expressa da Secretaria da Receita Federal para baixa do arrolamento, mesmo na hipótese de alienação. Esta exigência não encontra amparo na Legislação, contudo.
A prórpia Lei que instituiu o arrolamento de bens, prevê a determinação de baixa deste mediante a apresentação ao Cartório de registro de Imóveis de cópia da comunicação temporânea à RFB de alienação mesmo (artigo 64, §3º e §11 da Lei 9.532/97).
Ou seja, ainda que o Contribuinte tenha, de fato, direito a onerar e dispor do imóvel com bem entender, o arrolamento de bens traz dissabores que não são compatíveis com nosso ordenamento jurídico considerando que vem atrelado à débitos incertos, ou seja, sequer definitivamente constituidos.
A simples existência de um arrolamento implica em dificultar sobremaneira a disposição de bens do Contribuinte, posto que, ainda que tenha o direito a seu favor, deverá demandar de energia e recursos financeiros para fazer valer o seu direito. Caracterizada está, mais uma vez, a disparidade de armas entre Fisco e Contribuinte e relativização de Princípios Constitucionais basilares.
[1] Hugo de Brito Machado Segundo. Páginas 22 e seguintes da Revista de Direito Tributário N. 82.