O DIFAL-ICMS era cobrado pelos Estados com fundamento na Emenda Constitucional nº 87/2015 e no Convênio 93/2015 do CONFAZ, o que gerou uma série de demandas no Poder Judiciário, diante da infringência ao princípio da legalidade tributária, tendo sido a controvérsia decidida pelo STF no final do ano passado (2021), com o julgamento da ADI nº 5469 e do RE 1.287.019/DF.
Em decorrência do referido julgamento, foi editada a Lei Complementar nº 190/2022, primeiro ato normativo válido a regulamentar o diferencial de alíquota (DIFAL) de ICMS em operações envolvendo mercadoria destinada a consumidor final não contribuinte do imposto em outro estado.
A referida Lei Complementar foi publicada no dia 5 de janeiro de 2022, razão pela qual o DIFAL-ICMS somente poderá ser cobrada a partir do próximo exercício financeiro, ou seja, 2023, em atenção aos princípios constitucionais da anterioridade anual e nonagesimal, previstos no art. 150, III, “b” e “c” da Constituição Federal.
No entanto, há algum tempo os Estados vêm sinalizando no sentido de que a entrada em vigor da Lei Complementar autorizaria a imediata produção de efeitos das leis estaduais que instituíram o DIFAL, o que foi expressamente confirmado em petições protocoladas pelos Estados e DF nos autos da ADI nº 7.066.
Diante dessa sinalização, empresas vêm impetrando Mandados de Segurança com pedido liminar visando a suspensão da exigibilidade dos créditos tributários relativos ao DIFAL decorrentes de operações de vendas de mercadorias a consumidores finais não contribuintes do ICMS durante todo o ano de 2022, em atenção do princípio da anterioridade anual ou, ao menos, pelo período de 90 dias após a publicação da Lei, em observância ao princípio da anterioridade nonagesimal.
Dentre inúmeras decisões que vêm chamando a atenção, destaca-se decisão flagrantemente ilegal, na qual um juiz do Distrito Federal fundamenta o não acolhimento do pedido liminar formulado pelo Impetrante (i) na não aplicação dos princípios constitucionais da anterioridade anual e nonagesimal no caso em comento, porque, no seu entender, não seria o caso de “criação de novo imposto e não implicou aumento da carga tributária atrelada ao ICMS” e (ii) pelo fato de que a não incidência do DIFAL implicaria em desequilíbrio financeiro/mercadológico/logístico e que isso violaria o princípio da livre concorrência.
A já citada ADI nº 5.469 foi julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade formal das cláusulas primeira, segunda, terceira, sexta e nona do Convênio ICMS nº 932015, do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), por invasão de campo próprio de lei complementar federal. Ou seja, diversamente do que pontuado pelo Magistrado, a hipótese da Lei Complementar 190/20002 é de instituição de tributo.
Dentre as cláusulas declaradas inconstitucionais, uma delas (Cláusula Segunda) estabelecia a base de cálculo do tributo em questão.
O fundamento da declaração de inconstitucionalidade das mencionadas cláusulas foi justamente a ausência de Lei Complementar disciplinadora da matéria. Logo, se não existia previsão legal do fato gerador do tributo/base de cálculo, é certo que o DIFAL só foi regularmente introduzido no ordenamento jurídico a partir da publicação da Lei Complementar nº 190/2022, e, portanto, a hipótese é de instituição de tributo.
Em outras palavras, antes da publicação da Lei Complementar nº 190/2022, o DIFAL-ICMS não estava validamente introduzido no ordenamento jurídico. O raciocínio de que a carga interna já existia é puramente econômico, e não jurídico, daí porque necessário o cumprimento das regras da anualidade e nonagesinal para validade da Lei Complementar 190/2022.
Nesse sentido, vale a transcrição do quanto decidido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina em Mandado de Segurança patrocinado por este escritório que contrapõe o curioso posicionamento adotado na decisão do DF retro mencionada:
No caso em apreço, denota-se que a Lei Complementar n. 190/2022, a qual regulamentou a cobrança do diferencial de alíquota de ICMS (DIFAL), passou a vigorar em janeiro de 2022. Nesse cenário, tudo indica que o advento da reportada Lei não pode impor aos contribuintes a exação ainda no ano de 2022, sob pena de violação ao princípio da anterioridade[1].
Logo, parece evidente a inconstitucionalidade da cobrança do DIFAL no exercício de 2022, ante a flagrante inobservância do princípio da anterioriodade, restando aos Contribuintes diversas medidas jurídicas para obstar a prática de medidas abusivas pelos Estados.
[1] Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Mandado de Segurança Cível n.º 5001063-63.2022.8.24.0000/SC